Abriu a janela, deixando entrar o ar fresco da noite.
Com um olhar percorreu a casa. As suas roupas, as suas fotografias, o seu cheiro…era óbvio que a sua presença ainda invadia todos os recantos, todas as divisões e todos os objectos daquela casa, onde sempre esteve rodeada de gente…mas onde sempre se sentira tão só.
Lentamente, sentou-se. Cortou os pulsos e esperou. Viu o sangue vermelho - vivo a escorrer, em câmara lenta, sujando o chão imaculadamente limpo. Nesse instante, pareceu-lhe que a morte falava com ela. Dizia-lhe Olá, Dava-lhe as boas vindas…
Sentiu a fraqueza a apoderar-se do seu corpo e sorriu, pensando que iria para um lugar melhor.
Era essa a sua esperança. A sua última esperança.
À medida que a sua consciência se esvaia, o seu desejo de morrer também desvanecia. A procura de um lugar melhor já não era tão importante. Pensou em todos os momentos felizes que viveu…Agora que o seu plano tinha funcionado, a única coisa que desejava, com todas as forças que lhe restavam, era poder voltar atrás no tempo. Num último pensamento de futilidade, que tanto a caracterizava e que tanto odiava, pensou que estava feia para morrer. Nunca tinha pensado na morte como uma passagem para outro sítio…devia ter penteado os cabelos, arranjado as unhas, vestido a sua melhor roupa, roubado um beijo ao seu amigo, de quem sempre gostou em segredo…ainda tinha tanto para viver!
Porém, agora não havia nada que pudesse fazer…a última lembrança que teriam dela era a de uma mulher desleixada, que não tinha outra opção sem ser a morte.
“Não quero que pensem isso de mim”- foi o último pensamento que se apoderou da sua (pouca) consciência. Logo de seguida, um sentimento de angústia arrebatou todo o seu corpo e mente.
Queria pedir ajuda, escrever uma carta a explicar-se. Olhou para o telefone, ansiando alcança-lo, para pedir a alguém que viesse ajuda-la, que fizesse o sangue parar de sair, a uma velocidade cada vez mais alucinante.
Os seus pensamentos iam ficando cada vez mais lentos, enquanto era atingida pelo arrependimento.
Maldita a hora em que decidiu cortar os pulsos! Se ao menos tivesse dado um tiro na cabeça, ou saltado da ponte…certamente que já estava tudo acabado.
Nunca tinha pensado que nos momentos antes da sua morte iria reflectir nas situações que tinha vivido, dando valor aos anos passados num mundo que pensava odiar. Ou pior ainda, nunca tinha pensado que nos momentos imediatamente antes da sua despedida desse mesmo mundo, fosse dar valor a tudo o que ainda não tinha vivido.
Agora nunca ia ter essa oportunidade.
Uma lágrima escorreu-lhe pela cara, marcando-lhe o rosto pálido.
Finalmente, fechou os olhos e a sua mente descansou. Para sempre.
assim assim, a dar para o bom